O homem carrega consigo o peso da "insociável sociabilidade" de Kant e isso faz com que ele não possa prescindir dos outros nem renunciar por eles ao prazer dos seus próprios desejos. Ser social é viver dentro dos muros da política.
A política nasce para mediar conflitos e é por isso que precisamos de um Estado. Trazendo um pouco Hobbes, precisamos de política não porque os homens são bons ou justos, mas porque não são. E isso é a própria política: a história em via de se fazer, de se desfazer, de se refazer, de continuar; a história no presente, a nossa história e, fatalmente, a única. Como não´se interessar por política? Seria não se interessar por nada, posto que tudo depende dela.
Fazer política é a arte de vivermos juntos, num mesmo estado ou cidade, com indivíduos que não escolhemos, pelos quais não temos nenhum sentimento particular e que são, sob muitos aspectos, nossos rivais, tanto quanto ou até mais do que aliados. A política é, portanto, uma tentativa - a mais eficaz até hoje - de garantir a convivência entre as pessoas, um acordo sobre a maneira de solucionar desacordos.
A política supõe a discordância, o conflito, a contradição. Quando todos estamos de acordo sobre algo, não se faz necessária a política. E é essa a questão! O ser humano é, por si só, discordante e a política nos reúne dessa forma, a partir dessa oposição entre os indivíduos: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir. Isso não tem fim. Engana-se quem anuncia o fim da política, pois seria o fim da humanidade, o fim da liberdade, aflorar-se iam os egoísmos individuais e seriam impossível viver em sociedade. A política é, ao mesmo tempo, um combate e a única paz possível.
O que é então a política? É a própria vida comum e conflituosa sob o domínio do Estado e por seu controle; é a arte de tomar, de conservar, de utilizar o poder. É também a arte de compartilhá-lo, mas porque, na verdade, não há outra forma de tomá-lo.
Se interessar por política ou, ao menos, tentar entender seu propósito é não cair na mediocridade de considerá-la algo desprezível, ou pior, algo que "não é da sua conta", que lhe é alheio. Desculpe decepcioná-lo, mas há muito que você leitor faz parte dessa esfera política. Há muito que comunga de pensamentos e atitudes políticas mesmo sem dar-se conta. Cabe a cada um escolher a atividade ou a passividade e, nessa escolha, não há inocentes.
Quanto aos que fazem da política sua profissão, temos de lhes ser gratos pelos esforços que consagram ao bem comum, sem contudo nos iludirmos muito sobre a sua competência e virtudes. A vigilância faz parte dos direitos humanos e dos deveres do cidadão, entretanto, essa vigilância é direito, repito, dos cidadãos (sem esquecer de fazer uma auto-reflexão sobre o seu grau de cidadania a nível político, por favor). Não se deve confundir essa vigilância republicana com ridicularização, que torna tudo ridículo, nem com desprezo, que torna tudo desprezível. Ser vigilante é não crer cegamente nas palavras do político, mas não é condená-los ou denegrí-los por princípio. Não conseguiremos reabilitar a política, como é urgente hoje em dia, cuspindo perpetuamente em quem faz política. No Estado democrático, temos os homens políticos que merecemos.
Isentar-se da responsabilidade política é renunciar a uma parte de seu poder, o que é sempre perigoso, mas também é renunciar a uma parte de suas responsabilidades, o que é sempre condenável. O apoliticismo é, ao mesmo tempo, um erro e uma culpa. É ir contra seus interesses e seus deveres.
Outra tendência ingênua é confundir política com moral. Digo ingênua porque até tende ao romantismo. Reduzir política à moral seria um equívoco. É como se ela se ocupasse do bem, da virtude, do desinteresse. O contrário talvez fizesse mais sentido. Pois bem...se a moral reinasse, não precisaríamos de política, de leis, de tribunais, de forças armadas... de Estado! O que implica dizer que não existiria a política, pois ela não teria razão de ser. Contar com a moral para vencer problemas sociais é uma visão utópica da realidade. Com isso, não tiro a importância do humanitarismo, da caridade, etc; mas é preciso perceber que não são o bastante.
Em princípio, para diferenciar política de moral é importante perceber que a moral não tem fronteiras, a política tem! A moral não tem pátria; a política tem! Para a moral só existem os indivíduos, a humanidade. Ao passo que qualquer política, européia ou brasileira, de direita ou de esquerda, só existe, ao contrário, para defender um povo, ou povos, em particular. Você poderia preferir que a moral bastasse, que a humanidade bastasse. Você poderia preferir que a política não fosse necessária, que não existisse; mas estaria se enganando sobre a história e se mentindo sobre nós mesmos.
A política não é o contrário do egoísmo ( o que a moral é), mas sua expressão coletiva e conflituosa: trata-se de sermos egoístas juntos e da melhor maneira possível. Organiza-se para isso convergências de interesses e é isso que se chama de solidariedade ( o que se diferencia de generosidade, que supõe, ao contrário, o desinteresse). A solidariedade é, portanto, uma maneira de se defender coletivamente; a generosidade, no limite, é uma forma de se sacrificar pelos outros. É por isso que a generosidade, moralmente falando, é superior; e é por isso que a solidariedade, social e politicamente, é mais urgente, mais realista, mais eficaz. Ninguém para a Seguridade Social por generosidade. Ninguém paga seus importos por generosidade. E que estranho sindicalista seria aquele que se associaria a um sindicato unicamente por generosidade, não? No entanto, a Seguridade Social, o sistema tributário e os sindicatos fizeram mais pela justiça (muito mais!) do que o pouco de generosidade de que este ou aquele, vez ou outra, deu prova. O mesmo vale para a política: ninguém respeita a lei por generosidade, ninguém é cidadão por generosidade. Contudo, o direito e o Estado fizeram muito mais para a justiça ou para a liberdade do que os bons sentimentos. Em suma, a generosidade é uma virtude moral;a solidariedade é uma virtude política. E, por suposto, a política não é bem o reino da moral muito menos do amor. É o espaço reservado para as relações de forças e de opiniões, dos interesses e dos conflitos de interesses. Dessa forma, a política não é uma forma de altruísmo, é um egoísmo inteligente e socializado. Isso não só não a condena como também a justifica. E isso prova que, apesar de não se oporem política e moral, tampouco se confundem: a moral, em princípio, é desinteressada; nenhuma política o é. A moral é universal, ou assim pretende; toda política é particular. A moral é solitária; toda política é coletiva.
Uma eleição, por exemplo, não opõe bons e maus. Opõe campos, grupos sociais ou ideológicos, partidos, alianças, interesses, opiniões, programas, propostas... Ok, há votos moralmente condenáveis (é bom lembrar), mas isso não poderia fazer esquecer que a moral não faz as vezes nem de projeto nem de estratégia.
Não pretendo aqui negar a importância da moral, apenas mostrar que ela leva o indivíduo a posições: "Você é a favor da justiça e da liberdade?" Sujeito moralmente correto: "sim!". Aí vem a política e pergunta: "Como construir isso?". Ora, para a política é o "como" que importa. A moral é o mínimo que se espera de você! Não basta esperar justiça, liberdade e tantas outras coisas. A política diz que é preciso agir, utilizar-se do "como". A história não é um destino nem somente o que nos faz. Ela é o que fazemos, juntos, do que nos faz, e isso é a própria política.
Nenhum comentário:
Postar um comentário