Transcrevo o texto de Ely Macuxi e ponho alguns links para essa questão ficar mais clara.
Pela terceira vez, em datas diferentes, chegou um texto em minha caixa postal intitulado "A próxima Guerra" sobre a realidade indígena em Roraima. O texto é um depoimento de um cidadão que se diz recém concursado e foi a Boa Vista assumir suas funções profissionais. E neste exato momento em que seis fazendeiros pleiteiam a posse das terras produtivas pertencentes aos povos indígenas em Roraima, o texto tem o claro objetivo de deturpar a veracidades dos fatos na região.
Lembro que o referido texto já foi comentado em duas ocasiões pelo Prof. Dr. Ribamar Bessa Freire (UFRJ), onde aponta as muita inverdades e contradições, para citar algumas: quem realmente é o autor do texto, quem ele entrevistou para fundamentar seus dados, não citou lugares, nem nomes de pessoas, ou instituições de pesquisa - só "achismo"; as terras indígenas oficialmente demarcadas chegam a 43% do território do Estado de Roraima (FUNAI, IBGE, CIR) e não 70% como afirma o autor; não é verdade que a maioria dos indígenas não falam a língua portuguesa, pelo contrário; não é verdade que estrangeiros podem fazer o que bem entendem dentro do território brasileiro - tantos eles e brasileiros, são identificados sobre seus objetivos e fins dentro de uma reserva ambiental ou terra indígena. O maior absurdo é essa idéia de invasão americana, ou separatismo territorial, quantas besteiras.
Recentemente (Jornal Estadão/SP-20/04), outro renomado professor - Eduardo Viveiros de Castro - respondeu a um pronunciamento de um General Heleno Fragoso, comandante militar da Amazônia, a respeito desta antiga tese de separatismo, lembrando que se alguém neste país merece o reconhecimento por assegurar e garantir os limites territoriais do Brasil, são os povos indígenas. Primeiro porque são eles que vivem nestes limites, são fronteiras vivas, "muralhas dos Sertões" e que estão aí há milhares de anos; segundo - são povos que milenarmente vivem sem estado, não necessitando de status políticos ou instâncias burocráticas; terceiro, que há um grande contingente de militares nas fronteiras que são de origem indígena (São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga no Amazonas e Uiramutã e Pacaraima em Roraima); ou seja, onde não há arrozeiros, mineradores, fazendeiros e traficantes, a convivência é aceitável entre militares e indígenas. Lembram os pesquisadores, que as terras ocupadas pelos povos indígenas, são pertencentes ao Estado brasileiro e de usufruto dos povos indígenas...
Bem, chega de tentar responder as besteiras deste infeliz texto, cujo objetivo é somente desviar a atenção do real problema de Roraima: invasão das terras indígenas feita por seis fazendeiros, liderada por Paulo César Quartieiro. Assim, aproveito a oportunidade para tratar o assunto com mais seriedade e responsabilidade, chamando a atenção para a situação da violência em Roraima.
O quadro de violência que se arrasta há décadas em Roraima é um retrato da situação agrária no País, com maior incidência, nas terras que são habitadas por povos indígenas, ainda vista por muitos, como fronteira aberta, terra sem dono e sem lei.
Algumas pessoas que vivem nas fronteiras do Brasil, agem como se estivessem a margem do Estado de Direito, estabelecendo critérios, procedimentos casuísticos, afinados com seus interesses pessoais a margem dos princípios democráticos vigente no Brasil. Estabelecidos, alguns destes senhores, acunham-se como empresários, investidores, geradores de emprego e renda, invadem, saqueiam, destroem em nome de um "progresso" inconseqüente e inconsistente, relegando as gerações futuras a natureza danificada, crises ambientais, morte dos rios, dos campos e florestas.
Em Roraima, território eminentemente indígena, vem sendo ocupado por uma pequena oligarquia que se estabeleceu na região há pouco mais de 30 anos e que se fortaleceu com a formação do Estado de Roraima. Gente poderosa, grandes fazendeiros, donos de mineradoras, que enriqueceram a custa da exploração da mão de obra indígena; pessoas com mentalidade dos antigos "coronéis de barranco", que ainda acreditam que podem fazer o que bem entenderem neste país; pessoas que se utilizam de subterfúgios jurídicos para se impor e fazer valer seus ideais de exploração. Influentes pela força do poder financeiros, questionam leis e se impõem contra o estado democrático; recebem apoio dos mais diferentes setores reacionários dos poderes Municipais, Estaduais e Federais.
Pode ser tudo, menos ingenuidade quando o General Heleno Fragoso vem a público se colocar contra os Indígenas, colocando-os como "ameaçadores da soberania nacional"; ou a postura de um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal - Marco Aurélio Mello - quando declara ser contrário à tese de que os índios têm direito originário sobre as terras onde vivem: "Se exacerbarmos a ocupação pretérita, vamos ter que entregar aos indígenas a minha cidade maravilhosa do Rio de Janeiro".
Registre e destaque: os povos indígenas de Roraima, em particular os povos que vivem na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, não são transgressores de Direitos. Toda a área indígena respeitou todos os trâmites legais para sua oficialização e homologação, nada foi feito fora das orientações oficiais, todo o processo de identificação e demarcação foi registrado em Cartórios e Diário Oficial do Estado e do Município. Em todas as etapas, as autoridades locais foram informadas quanto ao processo demarcatório. No que pese a demarcação da Área Indígena Raposa Serra do Sol (AIRSOL), o Estado teve todo o direito de reclamar, de ponderar sobre o território demarcado e não o fez. Em 2005, cumprida todas as obrigações legais, após 30 anos de intensas lutas, a AIRSOL foi legitimamente homologada como Terra pertencente aos povos indígenas. Então, essa história do Supremo Tribunal Federal de conceder liminar paralisando a retirada dos arrozeiros da AIRSOL como determina a LEI, nada mais é do que um atentado contra o Direito legitimamente conquistado pelos indígenas de Roraima.
Portanto, senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal, chega de cinismo: 10 indígenas foram violentamente atacados por tiros de espingarda calibre 16, na comunidade Renascer - Terra indígena Raposa Serra do Sol, por jagunços dos coronéis de barranco, liderado por Paulo César Quartieiro, no dia 05/05/2008 - e os senhores ministros não dizem nada... Diz Bessa Freire em seu texto: O Lobo e o Cordeiro: "a razão truculenta do mais forte prevalece, quando a lei não é respeitada".
Destaco, que as terras onde vivem os Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang, Patamona, Wai-wai, Yanomami, Waimiri-Atroari, YeKuana - 40 mil indígenas - são terras ocupadas milenarmente, são terras ancestrais, cujo o direito e reconhecimento são garantidas por leis internacionais e pelo Estado Brasileiro. Os povos indígenas não são invasores, não são separatistas, querem somente, como qualquer outro cidadão brasileiro, o direito de viverem dignamente, dentro de seus padrões culturais, como assegura a Constituição de 1988.
Finalizo, citando a frase de um antigo sábio Macuxi:
"alguns homens agem feito gafanhotos em nossas terras - vem come, destroem e vão embora, deixando o roçado destruído... Agem feito o formigão Tracoar, cuja fome e tão absurda que comem toda a floresta e animais. E, com muita sede, secam os rios, destruindo a morada dos peixes. Feito tatus vorazes, brocam e remexem a terra em busca de mais alimentos (minérios), despejando seus excrementos (agrotóxicos, mercúrios) nos rios matando os peixes. Insaciáveis, furam a terra, libertando os espíritos causadores de doenças (dengue, cólera, mlaria)que se espalham pelo ar e pelos rios..."
E afirmo outra: "Terra Livre: resistir até o último índio".
Ely Macuxi.
http://www.paulohenriqueamorim.com.br/materias125.asp
http://www.pgr.mpf.gov.br/pgr/imprensa/iw/nmp/public.php?publ=5195
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/05/419046.shtml
Bruno Nery é estudante de História na UFPE e, infelizmente, não tem nem idéia do que vem no Futuro.
quinta-feira, 8 de maio de 2008
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