CGU lista 94 irregularidades na Unifesp, que omite gastos
LAURA CAPRIGLIONE e FERNANDO BARROS DE MELLO
Folha de S. Paulo
11/6/2008
Alvo da CPI dos Cartões, universidade deixou de apresentar contas de R$ 178 mi
Controladoria apontou em 2005 e 2006 problemas na entidade como "risco de sobrepreço" e "pagamentos sem processo licitatório"
Estrela involuntária na CPI dos Cartões depois de constatado que tinha feito gastos de caráter estritamente pessoal e pendurado a conta (de cerca de R$ 12 mil) na fatura do governo, o reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ulysses Fagundes Neto, terá de se explicar no TCU (Tribunal de Contas da União) a respeito de contas que envolvem cifras bem mais vultosas.
Ainda não há previsão para o julgamento dessas contas, referentes a 2005 e 2006. Só em 2005, auditoria da CGU (Controladoria Geral da União), regional São Paulo, apontou falta de prestação de contas de mais de R$ 178 milhões.
Nas auditorias da CGU aparecem problemas que vão muito além do cartão corporativo: "falta de prestação de contas", "pagamentos sem processo licitatório", "direcionamento em processos de dispensa de licitação", "imóveis pertencentes à Unifesp utilizados comercialmente por terceiros ou sem utilização", "risco de sobrepreço".
A lista completa tem 27 irregularidades e impropriedades em 2005 e 67 em 2006.
Um funcionário público federal qualificou o conjunto da obra como "candidato ao Oscar de efeitos especiais de ocultação de malfeitorias".
No relatório de 2005, por exemplo, a CGU acusa a "prática sistemática de transferir a execução das despesas para a SPDM -Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina [entidade de direito privado que atua como mantenedora do Hospital São Paulo e de mais quatro hospitais no Estado de São Paulo]".
Segundo um docente que prefere se manter incógnito, a Unifesp arca com a maioria dos custos e transfere os recursos para a SPDM executar o trabalho em seu nome -na presunção de que a entidade privada passe por controles menos rigorosos do que os aplicáveis à administração universitária.
A CGU constatou que a Unifesp repassou à SPDM em 2005 R$ 203.390.592,07 provenientes do Ministério da Saúde, do Fundo Nacional de Saúde, além de convênios "firmados por Estado e municípios com a Unifesp como convenente".
Em 2005, entretanto, a SPDM só franqueou à controladoria a relação dos pagamentos que totalizaram 12,07% do valor repassado pela Unifesp à SPDM, ou R$ 24.545.991,25.
Quanto aos demais R$ 178.844.600,82, a SPDM não justificou os gastos realizados, argumentando que, como empresa privada sem fins lucrativos, não tem "obrigação legal de permitir a devassa de sua contabilidade pela CGU".
A CGU não aceitou o argumento. Considerou que se trata de "omissão dolosa no cerceamento de acesso à execução orçamentária terceirizada".
Diagnóstico
Em outra relação, com a Secretaria Municipal de Saúde, mais problemas. Em fevereiro de 2005, a prefeitura contratou com dispensa de licitação a execução de serviços laboratoriais pela Unifesp. Aceitou a Afip (Associação Fundo de Serviço à Psicofarmacologia), entidade sem fins lucrativos presidida pelo vice-reitor da Unifesp, Sergio Tufik, como interveniente. Na prática, o convênio, que previa remuneração mensal de até R$ 2.837.767,01, implicava a universidade em responsabilidade trabalhistas, previdenciárias, sociais, fiscais e comerciais resultantes de vínculo empregatício. A Unifesp não recebeu nem sequer a prestação de contas das despesas efetuadas.
Diz a CGU: "A Afip funciona com os mesmos recursos humanos e físicos (funcionários e endereço) de um dos maiores laboratórios privados de São Paulo, o Centro de Diagnósticos Brasil (CDB)".
Cruzando os CPFs de funcionários da Unifesp e os de sócios de empresas registradas no CNPJ, a controladoria afirma que o vice-reitor da Unifesp é também sócio de diversos empreendimentos comerciais, entre os quais destaca-se a empresa SIT Sistemas Hospitalares e Diagnósticos Ltda., cujo nome de fantasia é Centro de Diagnósticos Brasil. Tufik figura como dono de 57,5% da SIT.
Tufik também possui 55% da empresa TKS Sistemas Radiológicos Ltda., que tem mesmo endereço do CDB.
Segundo a auditoria, a relação Unifesp-Afip-CDB-TKS apresenta "dificuldade em delimitar o público do privado do ponto de vista da prestação do serviço e da destinação da receita". Avaliação sobre a atitude do gestor: "Ação dolosa."
Os relatórios de auditoria da CGU-Regional São Paulo incluem pagamentos em duplicidade a funcionários, dispensa de licitações para obras de ampliação de instalações e até para a aquisição de 700 cadeiras universitárias para o novo campus da Baixada Santista.
As últimas contas da Unifesp apreciadas pelo TCU foram as de 2003, quando o reitor era Hélio Egydio Nogueira e o vice, Ulysses Fagundes. Na ocasião, o TCU considerou ter havido "reincidência no descumprimento de determinações do tribunal". Multou o reitor e seu vice em R$ 3.000 cada um.
Procuradora é sócia de Dirceu em escritório
As irregularidades e impropriedades apontadas pela CGU em 2005 e 2006 ocorreram na gestão da procuradora-geral da Unifesp, a advogada Lilian Ribeiro, ainda no cargo.
Hoje sócia do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu no escritório de advocacia Ribeiro e Barros, localizado a 300 metros da reitoria da Unifesp, ela foi nomeada em 30 de setembro 2003, por uma portaria da Casa Civil e da Presidência. Na ocasião, Dirceu era o ministro.
A indicação de Lilian Ribeiro não seguiu o padrão usual. Segundo a AGU (Advocacia Geral da União), "preferencialmente" os cargos de procurador-geral das universidades devem ser ocupados por funcionários de carreira do órgão. "Porém, se houver justificativa para tanto, essa preferência pode ser relevada e pode ser nomeado outro bacharel em direito." É o caso de Lilian Ribeiro, que não é funcionária de carreira.
No papel de procuradora-geral, ela é a responsável pela análise interna de convênios e propostas da universidade, além de prestar consultoria e assessoramento jurídico à instituição e dirigentes. "A Procuradoria é um órgão consultivo; não pode tomar decisões", diz Lilian.
A procuradora-geral afirma ser amiga de Dirceu desde a "época de movimento estudantil".
"Quando o ex-ministro teve o problema [refere-se às denúncias sobre o mensalão], como ele tinha sido meu sócio em 1998, eu o convidei. Ele é meu amigo há mais de 30 anos; criamos filhos juntos."
Outro lado
"Por que não procuram a federal do Piauí?"
Procuradora da Unifesp, Lilian Ribeiro diz haver situação pior em outras universidades e que reitor só falará após julgamento do TCU
A procuradora-geral da Unifesp, Lilian Ribeiro, diz que o reitor Ulysses Fagundes Neto só falará após o julgamento das contas da universidade pelo TCU. Desde o dia 7 de maio a Folha tenta uma entrevista com o reitor.
"Por que vocês não foram atrás do pessoal das federais do Paraná ou do Piauí, que sacou em dólar?", perguntou Lilian Ribeiro, ao ser questionada sobre as auditorias de 2005 e 2006 na Unifesp. "Se você for olhar o que teve de saque em outras universidades... Acho muito mais grave. [Apesar disso], não teve uma linha no jornal", disse a procuradora-geral.
Segundo ela, todos os procuradores-gerais de universidades federais são indicados pelo reitor. "É um cargo de confiança. Por aqui passam milhares de problemas. Se ele [o reitor] indica um procurador-geral que não seja da confiança dele, o sujeito, se quiser, arranja confusões terríveis para o reitor. Bota na cadeia. Porque não vai analisar a coisa direito", afirma.
Lilian Ribeiro diz que trabalha em companhia de outros procuradores de carreira. "A gente presta conta de tudo que é jeito, porque nós temos auditoria nossa aqui", declara.
Por telefone, Lilian questionou o motivo da reportagem. "Acham que é um cargo de favorecimento? O escritório [sociedade com José Dirceu] é o problema? Meu escritório tem 30 anos", afirmou.
A advogada diz que conhecia o reitor antes de assumir o cargo e que era sua amiga. "Eu acho que a gente conseguiu muita coisa aqui. Conseguiu tirar uma universidade do vermelho. Hoje, a Unifesp não deve um tostão", afirma.
Representando o vice-reitor Sergio Tufik, o advogado Airton Soares disse que "somente a Afip realiza convênios com o setor público. E, como não poderia deixar de ser, os movimentos financeiros das empresas citadas na auditoria são totalmente independentes". Segundo Soares, "o CDB é um dos núcleos da Afip. Responde pelos serviços de diagnósticos voltado ao mercado privado".
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Um comentário:
laura, vc.precisa ir atrás também do último concurso público na área administrativa da unifesp que aconteceu em 2008.foi uma verdadeira vergonha há mais de 100 recursos que não foram sequer respondidos, os critérios de aprovação foram errados e enfim. para os professores a adminsitração ainda responde , mas para os administrativos, ficou como eles queriam.vá atrás que voce vai descobrir muita coisa errada.
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