quinta-feira, 24 de abril de 2008

O entre-lugar no discurso latino-americano / Nova farejadora!

Pessoal, tenho a maior honra em apresentar-lhes Amanda Borba, estudante de jornalismo Da UFPE como nossa mais nova farejadora.
uma promissora jornalista, que tem a missão de nos abrir os olhos com seus textos providos de um charme que só a própria Amanda possui.
Única.


Seja Bem Vinda Amanda, Dou-lhe as boas vindas por todos os integrantes deste blog.

agora, meus amigos, deliciem-se com este texto.


O entre-lugar no discurso latino-americano


A discussão sobre identidade latino-americana volta à tona recentemente - a partir da segunda metade do século passado - tanto pelos novos movimentos sócio-revolucionários quanto por uma nova abordagem das ciências humanas a respeito dos problemas sociais da América Latina.Entretanto, para adentrar nesse tema é preciso, antes de tudo, debruçar-se sobre uma análise histórica: é necessário compreender o desenrolar do processo colonial vivido pelos latino-americanos e buscar o embrião do que seria a identidade dos povos da América.

O conflito entre colonizador e colonizado, sem dúvida, é a essência do que hoje se configura no embate entre Europa e Novo Mundo. Seria, na verdade, o desenrolar de uma história em curso, o desenlace que tende a estruturar o antagonismo entre inferior e superior. Esse desequilíbrio é sustentado pela defasagem e dependência econômica entre os países: o mais rico detém o poder e domina enquanto o mais pobre é subordinado aos interesses do primeiro.A noção de inferior é algo manipulado. Essa é a antiga (e por que não atual?) lógica colonialista. A colonização é, pois, a vitória do europeu no Novo Mundo e se configura menos por razões culturais do que por imposição brutal e violenta de uma nova conduta ideológica. Era mais uma ânsia dominadora do que um desejo de conhecer o "exótico". Não havia espaço para o contágio cultural, se fazia necessário o estabelecimento dos padrões metropolitanos, sendo os códigos religioso e lingüístico os principais asseguradores dessa dominação.

A Religião e Língua européias serviram como instrumentos de controle e sua arbitrariedade acaba por sustentar uma verdadeira cruzada em prol do extermínio dos traços originais do "selvagem". A América transformar-se-ia numa cópia, uma representação do que seria "civilizado". Seus traços originais tornam-se constantes alvos de extermínio por parte dos colonizadores, sendo a duplicação a única regra válida de civilização. E é essa lógica que permeia as práticas Neocolonialistas, só que, desta vez, a modernidade utiliza-se de novos métodos de coerção e dominação. A idéia agora é exportar o velho de forma lenta e gradual numa espécie de "exportação do dèmodè" e, com isso, incluem-se costumes e valores rejeitados pela metrópole.Consumimos o velho com a sensação ilusória de estarmos nos aproximando do "civilizado".

Entretanto, voltando-se para o passado colonial da América Latina, nota-se que há um desvio da norma em termos "civilizatórios": o que era para ser destruído e "revestido de europeu", acaba por mesclar-se com os elementos da metrópole. A América, enfim, desafia a noção de unidade a qual a Europa tanto quis fazer reinar. O elemento europeu funde-se com o "selvagem" e dá origem ao mestiço. O código lingüístico e a religião perdem sua "pureza" e se deixam "macular" por novas aquisições e, por fim, o elemento híbrido prevalece.

Hoje, a América Latina se encontra num dilema: não pode mais negar-se à invasão estrangeira nem, tampouco, pode almejar voltar a sua posição de isolamento. "O silêncio seria a resposta desejada pelo imperialismo cultural, ou ainda o eco sonoro que apenas serve para apertar os laços do poder conquistador. Falar, escrever, significam: falar contra, escrever contra"(Silviano Santiago). Ou seja, vive-se o impasse de estar contra ou omisso às influências estrangeiras.

Essa busca por identidade é uma constante na realidade brasileira. O Brasil, talvez mais do que qualquer outro país da América Latina, se vê incapaz de se reconhecer enquanto nação homogênea.Não se reconhece nem enquanto latino-americano - fato intensificado pela diferença de idioma perante os outros países. Em verdade, o país é um conjunto de nações que dividem o mesmo espaço territorial, uma verdadeira colcha de retalhos formada por indígenas, negros, brancos ( aí se incluem: portugueses,alemães,holandeses etc) e mestiços; cada qual com suas peculiaridades. E, provavelmente, é daí que surge a idéia de caráter postiço ou imitado de vida que nos é atribuído, pois o Brasil não é um corpo único que possui raízes próprias. É um emaranhado de raízes e tradições de diferentes povos, é uma mescla histórica onde cada parte contribuiu para a formação do todo.Como saber o que é original? Nossa originalidade se sustenta exatamente na ausência dela mesma. Somos uma junção das muitas originalidades. Segundo a compreensão de Oswald de Andrade, nós deglutimos o estrangeiro e nos criamos.

Desde o colégio, quando o professor nos ensina a valorizar fontes e influências em detrimento do conteúdo propriamente dito, aceitamos o caráter postiço que nos é atribuído. Esse falido método se enraizou no sistema universitário e menospreza ou até mesmo ridiculariza produções latino-americanas quando acentuam a "pureza" e "perfeição" de obras criadas pela sociedade colonialista ou neocolonialista, reduzindo a criação dos artistas latino-americanos à condição de obra parasitária e sem discurso próprio.Com isso, acreditamos que a verdade de um texto só pode ser assinalada pela dívida e pela imitação de uma fonte "pura" e "intangível".

É sobre essa realidade que versa a Semana de Arte Moderna de 1922. Ela procura reconhecer o Brasil em sua própria realidade, fugindo de conceituações pré-estabelecidas e aceitando a influência estrangeira, mas não como algo a ser imitado, mas como uma forma de acréscimo e adaptação ao já existente. As vanguardas européias se inserem nesse contexto adaptando seus elementos ao ver nacional e se moldando às necessidades dos artistas brasileiros. A idéia é meramente antropofágica: digerir o alheio e aproveitar apenas o que se é aproveitável para a realidade nacional. Seria, portanto, uma experiência sensual e reflexiva com o signo estrangeiro.

A ilusão do nacionalismo exarcebado, personificado pelo personagem Policarpo Quaresma, cria uma aversão a tudo que é exterior e rejeita possibilidades de assimilações benéficas. Esse tipo de purismo se estabelece como um antagonismo latente à marca de "inautenticidade" que nos é atribuída e, por sua vez, se torna tão indigno quanto o último. Preservar-se de valores estrangeiros não significa valorizar e engrandecer o local, isso seria meramente ilusório já que comportamos em nós mesmos o sentimento da contradição entre a realidade nacional e o prestígio ideológico dos países que nos servem de modelo.Entretanto, não é com ganância que devemos consumir o estrangeiro. Devemos absorver a produção destes de forma gradual e crítica sem transformar essa aceitação em modismo.

A dificuldade de reconhecer-se transparece nas mais diversas manifestações artísticas. O cinema, como excelente contador de histórias da humanidade, adequou-se perfeitamente à necessidade de transmitir as mais variadas narrativas sobre o que seria a identidade das nações por meio de projeções. Macunaíma, para dar um exemplo nacional, é a personificação do que seria a gênese do povo brasileiro. De modo análogo, as ficções literárias nacionalistas delineiam essa tentativa de auto-conhecimento. Em Iracema, José de Alencar deixa fluir a idéia de que o povo brasileiro é formado pela junção entre o indígena e o homem branco, excluindo o negro desse processo. Outros, como Gilberto Freyre, seguem outra linha de pensamento, admitindo o negro no processo construtor de nossa identidade. O fato é que o problema não é meramente racial. As culturas se entrelaçaram de tal forma que se torna impossível distrinchá-las e agregar valor à essa ou àquela. Devemos, portanto, reconhecermo-nos como um todo. Novamente:somos uma colcha de retalhos, onde uma parte não é entendida sem o todo ou vice-versa e onde cada contribuição e releitura nos faz quem nós somos.

Amanda Borba é: Estudante De Jornalismo da Universidade Federal De Pernambuco

3 comentários:

Anônimo disse...

De uma qualidade sem igual.
Parabéns à todos!
Abraços!

M. [doc] B. disse...

Ótimo blog!
:)

creusa disse...

Parabéns! Excelente e esclarecedor!