Como Um de nossos autores, está perdido pelos "estrangeiros", achei um texto dele aqui um pouco antigo, porem continua muito atual.
Texto escrito em 27 de maio de 2007
A DITADURA DA CRIMINALIDADE
Esta forma de governo em que todos os poderes são embutidos na tutela de um indivíduo ou grupo, é prática vitoriosa e hegemônica da criminalidade. O dilema não é mais proletário ou patronal, não se questionam os padrões de sociedade, mas se cria um novo modelo de relação social promotor da desavença, quando o outro é um risco à integridade de um igual. Está em desenvolvimento um poder paralelo, com regras e normas que embora tácitas, são as punições de tal forma brutas e a segurança da população de tal forma frágil, que a sociedade quase já não infringe os ditames da criminalidade, que se firma como a soberana da contemporaneidade nacional, construindo novas regras e meios para aplicação de justiça forjada em necessidades de condenação sumária no aplique de sentenças débeis.
Os trajetos que traçamos cotidianamente seguem as determinações da criminalidade, não trafegamos por todos os ambientes da cidade - a cidade (se é que foi) não é para todos. Ilhados por medo de hostilidades, somos sitiados em nossa própria residência, pensamos no caminho que nos oferece menor risco, seguimos pelas rotas mais iluminadas, somos atentos à hora, imersos num toque (mudo) de recolher. Quando para uns a vida já não significa tanto, para outros o medo é uma constante. O direito constitucional de ir e vir é limitado pela questão da criminalidade permitir.
Josué de Castro cita em seu livro Geografia da Fome uma frase marcante que justifica o entrave da fraternidade numa sociedade fracionada entre “os que comem, que não dormem com medo dos que não comem”. Somos complacentes com a criminalidade e a decorrente violência porque não propomos soluções efetivas, ao contrário, coagidos pela insegurança fundamentamos maneiras de convivermos com estes problemas que agora parecem inevitáveis. Policiais nas ruas não suprem os déficits do Estado nem as décadas de omissão duma sociedade complacente com as extremas disparidades, é necessário que a polícia aja com inteligência, não com brutalidade, porque assim seremos executores de práticas semelhantes às daqueles que criticamos.
Em meio à luta travada cotidianamente, e à progressiva influência da criminalidade sobre os costumes, Caio, 17 anos, diz que o indivíduo que roubou seu celular era “gente boa”, pois apenas o roubou, quando poderia espancá-lo. Davi, não ouve música na rua, pois o risco de ter seu aparelho mp3 “confiscado” é enorme. Além disso, há práticas as quais não são nem ao menos detentoras da necessidade de exemplificação em casos particulares, pois já são do uso popular, afinal, a moda agora é andar com o “dinheiro do ladrão”, cuja quantia é variável: de um a dez reais. Ainda não levo em conta os conselhos que chegam ao extremismo de propor a circulação em rua com o porte apenas do que possa ser extraviado: “Leve esse cartão. Se roubarem não tem problema – não vale tanto.”
É ainda importante ressaltar a influência dos ditames da criminalidade na arquitetura nacional. A cidade já não é ambiente salubre para os que podem construir verdadeiras fortalezas, e novas cidades são construídas dentro daquelas oficiais. Destas extra-oficiais, os que não tem no sangue a cor azulada vêem apenas os muros, cada vez mais altos, as câmeras com suas definições cada vez mais precisas. São fortalezas construídas com cinemas, padarias, praças de alimentação, para que o ambiente hostil dos distritos oficiais seja esquecido mediante a calmaria proporcionada pelos muros e recuos das construções ocultadas pelo concreto. Afora estas, no Brasil, alguém já pensou em residências sem muros? Em terrenos sem cercas? Acredito que não. O medo não deixa. Por falar em cercas, vale lembrar que muito das instabilidades sociais advém das concentrações fundiárias, não apenas rurais, mas também na área urbana. O Brasil é o segundo país em concentração de terras.
A ausência de recursos estatais em determinadas localidades é exatamente o viés de desenvolvimento do crime. À exemplo do que se sucedeu na comunidade de Jardim São Paulo, onde os chamados Thundercats de turma do apito transformaram-se em grupo de extermínio, formou-se no Coque algo parcialmente semelhante, lá, revela uma moradora em reserva, um grupo obriga o pagamento semanal de um real por casa para fazer a “segurança” do local, que está sob disputa de facções rivais pelos pontos de tráfico de drogas. Mas segundo esta mesma moradora, a situação já foi pior, parte da comunidade esteve de cabeças baixas: para que alguns criminosos não fossem reconhecidos em caso de ocupação policial na favela, eles obrigavam todos os moradores da região em que atuavam que perambulassem de cabeças baixas pelas ruas, para que depois não pudessem ser reconhecidos, além de impedir a circulação de indivíduos de uma área para outra, porque poderiam ser “aviõezinhos” ou “cabuêtas”.
Há os que acreditam ser absurdo a segurança coexistir com o incremento da força policial, pois a estabilidade só se alcança mediante um ambiente favorável à maioria, cabendo propiciar a essa maioria um ambiente mais salutar para gerar na sociedade um clima mais ameno. Há também aqueles os quais acreditam que polícia na rua é a solução, além daqueles que fazem o diálogo entre ambas as partes, que propõem que as medidas colocadas acima são complementares.
A desigualdade social no Brasil é extrema. A dificuldade de gerência da segurança pública frente a uma imensidão de indivíduos à margem de benefícios sociais como educação, saúde, lazer, saneamento etc, é enorme. É bem verdade que a questão já fugiu ao controle: policiais na rua já não são suficientes. E, não é menos importante lembrar que criminalidade e violência são problemas estruturais que necessitam de tempo para que sejam expressivamente atenuados. Bem, por enquanto, seguimos enevoados numa ambigüidade que prega que acatemos às regras oficiais, o que é uma obrigação, mas que não possamos desfrutar do que para todos é um direito: a segurança.
Raphaell Callou é: Estudante de Direito Na Universidade Católica de Pernambuco, e Músico Compositor Da Banda Eu-lírico.
terça-feira, 18 de março de 2008
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