quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Garrincha!

Garrincha
por Eduardo Galeano

Algum de seus muitos irmãos lhe batizou Garrincha, que é o nome de um passarinho inútil e feio. Quando começou a jogar futebol, os médicos pioraram a situação: diagnosticaram que este anormal nunca chegaria a ser um esportista, este pobre resto da fome e da poliomielite, burro e cocho, com um cérebro infantil, uma coluna vertebral como um S e as duas pernas tortas para o mesmo lado. Nunca houve um ponta direita como ele. No Mundial de 58 foi o melhor de sua posição. No Mundial de 62, o melhor jogador do campeonato. Mas, ao longo de seus anos nos campos, Garrincha foi mais: foi o homem que deu mais alegria em toda a história do futebol.

Quando ele estava lá, o campo de jogo era um picadeiro de circo; a bola, um bicho amestrado; a partida, um convite à festa. Garrincha não deixava ninguém roubar a bola, menino defendendo seu mascote, e a bola e ele cometiam diabruras que matavam de rir às pessoas: saltava sobre ela, ela brincava com ele, ela se escondia, ele escapava, ela corria. No caminho, os rivais se chocavam entre si, se enroscavam nas pernas, se mareavam, caiam sentados.

Garrincha exercia suas picardias de malandro na beira do campo, sobre a linha direita, longe do centro: criado nos subúrbios, nos subúrbios jogava. Jogava para um clube chamado Botafogo, e esse era ele: o bota fogo que incendiava os estádios, louco pela aguardente e por tudo que era ardente, ele que fugia das concentrações, fugindo pela janela, porque dos mais distantes lugares lhe chamava uma bola que pedia para ser jogada, alguma música que exigia ser dançada, alguma mulher que queria ser beijada.

Um vencedor? Um perdedor com boa sorte. E a boa sorte não dura. Como dizem no Brasil, se a merda tivesse valor, os pobres nasceriam sem bunda. Garrincha morreu de sua morte: pobre, bêbado e sozinho


Thiago Carvalho é: Estudante de filosofia da Universidade Federal de São Paulo

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