quinta-feira, 17 de julho de 2008

Inclusão
Sujeitos ocultos

Ana Carla Vannuccchi

A cultura vigente é rasa sobre o alheio. Nos cursos de arquitetura, mal se fala em acessibilidade. Shoppings destinam às pessoas com dificuldade de locomoção as vagas no estacionamento localizadas longe das entradas. Escolas privadas e públicas raramente têm rampas, elevadores, salas de aula no térreo, vontade administrativa e política para reformas arquitetônicas. São poucos os alunos com deficiência. Se fossem em maior número, colegas, professores, funcionários e familiares aprenderiam o significado da palavra inclusão. Saberiam que pessoas com qualquer tipo de deficiência são a maioria e não a exceção. No entanto, falar de inclusão quando esta se refere às pessoas com deficiências físicas visíveis é mais fácil do que quando a referência são as pessoas portadoras de doenças erroneamente tidas como morais e não físicas, tais como epilepsia, diabetes e dependência química. Essas são tratáveis, não curáveis.Quando fazemos um jantar em casa, não nos preocupamos se os convidados têm problemas com açúcar ou álcool, por exemplo. Quando o diabético recusa um doce com um “Não, obrigado”, não se pergunta por quê. Se outro recusa um copo de uísque, normalmente ouve: “Não agüenta?”. Ou é chamado de pau-d'água, só na brincadeira. Se o diabético responde: “Não, obrigado, sou diabético”, as pessoas ficam comovidas (ninguém escolhe ter diabetes). Mas se o alcoolista diz: “Não, obrigado, sou alcoolista”, a conversa geralmente termina aí. É comum não se saber o que dizer. Mais uma vez, a ignorância vence e a inclusão do alcoolista, mesmo nos menores círculos, é prejudicada.Ao contrário do que muitos pensam, ninguém escolhe ser dependente químico. Numa sociedade que prega diariamente que álcool é bom e nos torna mais viris, sendo alcoolista é quase impossível conviver. O preconceito também segrega o alcoolistas do resto da sociedade que prefere não ter que conviver com situações constrangedoras.Inclusão, só se for de pessoas com deficiência física e/ou mental, pois é socialmente correto e, apelando para o egoísmo coletivo, fica até bonitinho. Mas incluir dependentes químicos ou portadores de doenças mais escondidas é, na verdade, a continuidade obrigatória desse movimento sócio-moral.São tantas as doenças desagradáveis de se olhar, cheirar e conviver, somadas às dependências químicas, às doenças psiquiátricas e, finalmente, às deficiências físicas, que a inclusão deveria ser feita no sentido de aproximar as pessoas, que por sorte, destino ou qualquer motivo, não apresentam nenhuma dessas diferenças visíveis mencionadas.Que os saudáveis sejam educados para viver num mundo onde só há a diferença. Fazer o caminho contrário parece ilógico quando achamos que a minoria é, na verdade, a maioria. Quem não conhece alguém em casa, na escola ou trabalho, com peculiaridades? Todos, em alguma época, tiveram, têm ou terão de conviver com diferenças, nos outros ou em si mesmos. Quem sabe o dia de amanhã? Deveremos incluir no mundo real aqueles que não têm dificuldades notórias para qualquer tipo de atividade.Usemos a palavra respeito em sua plenitude. A sociedade precisa de um coração maior, não para se comover com cenas tocantes ou inconvenientes, mas para tirar da frente dos olhos as mãos e que estas sirvam, sim, para ajudar, construindo rampas e novos conceitos éticos para que seus filhos sem deficiência sejam melhores e saibam que a vida é cheia de altos e baixos, magros e obesos, de pessoas com os pés ou as rodas no chão.No dia em que não mais usarmos as palavras deficiente, especial, aleijado e coitadinho, teremos dado, juntos, um passo importante na mesma direção: mostrar o caminho aos considerados sadios, pela grande maioria diferente.
____________________________________________________________________________
Ana Carla Vannucchi é fotógrafa, articulista, colaboradora de jornais e revistas. Escreve sobre fotografia, acessibilidade e iclusão, mãe de uma criança com deficiência física. Autora do blog “Outra vez de novo ainda” em http://www.carlavannucchi.blog.uol.com.br e http://www.carlavannucchi.fotos.uol.com.br .

Nenhum comentário: